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“Nó, tô pensando em desistir. Os fessores só fala coisa errada olhando pra mim. Outro dia foi uma empresa lá na sala, mas sei que a vaga não é minha”. A fala é de um jovem atendido pelo Desembola na Ideia, segundo conta a psicanalista Bárbara Afonso. A partir do atendimento do projeto, seu discurso se volta para a construção de um outro caminho possível: “Minha mãe tá muito orgulhosa de mim, né? De eu tá indo nesse curso. O curso é meio chato, essas partes teóricas e tal, mas a parte prática é bem legal. É, acho que não vou ficar dando ideia nesse fessores que me olham torto, não”.
O caso foi narrado em live realizada pela campanha Faz Diferença no dia 24 de novembro, intitulada Práticas transformadoras no encontro com jovens e adolescentes. Além de Bárbara, participaram do bate-papo Andrea Guerra, também psicanalista, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenadora do PSILACS-UFMG, e Josânio Alves, agente de segurança socioeducativo do Centro de Internação São Benedito. No mês da Consciência Negra, o evento buscou responder a uma pergunta desafiadora: como fazer ranhuras na estrutura que oprime as juventudes e as leva à situação de vulnerabilidade, risco social e/ou conflito com a lei?
![Captura de tela da live Práticas transformadoras no encontro com jovens e adolescentes, da campanha Faz Diferença](https://aic.org.br/uploads/2020/11/print-live-1-1024x576.png)
![Captura de tela da live Práticas transformadoras no encontro com jovens e adolescentes, da campanha Faz Diferença](https://aic.org.br/uploads/2020/11/print-live-2-1024x576.png)
A análise partiu das construções de branquitude e negritude herdadas da colonização e da escravização, que colocam os corpos negros, periféricos, masculinos e jovens à beira do abismo através de múltiplas e reincidentes violências contra eles. “A gente lida muitas vezes com nomeações duras que levam ao pior – esse lugar que eles ficam de menor, de bandido, de errado, do suspeito, de marginal, do que não pertence”, pontua Bárbara.
Em contraponto a essa exclusão, aponta Andrea, está “a facilidade com que um corpo branco acessa espaços privilegiados de educação, trabalho e lazer, que mascara e alivia o confronto”. Notados, destacados, ameaçados e rotulados em relação à branquitude, os jovens negros se deparam, então, com oportunidades negadas – uma morte que muitas vezes começa no campo do sonho.
Mas é também do sonho que emergem caminhos possíveis e potentes para transformar essa realidade. “Muitos desses meninos dizem: eu gostaria de ser jogador de futebol, eu queria ser motorista de caminhão, eu queria ser mil coisas. Nos olhares perdidos desses meninos, para quem analisa direito e não olha com um olhar discriminador, você vai ver que eles têm sonhos. Eles pensam em largar o crime, eles pensam em largar a vida loka”, conta Josânio, ancorado em sua larga experiência no sistema socioeducativo.
A escuta das necessidades e subjetividades das juventudes pode oferecer a elas caminhos que fujam às hierarquias e classificações racistas, devolvendo-lhes futuros alternativos ao apagamento, à indiferença e ao medo. Os exemplos vão desde a atenção psicossocial aos jovens até o curso de cartazista ministrado por Josânio no sistema socioeducativo, já em sua 10ª edição. “Os meninos ficam numa satisfação! Quando ouviram que o curso é profissionalizante, eles já criaram um monte de ideias na cabeça: ‘Agora já posso trabalhar’, ‘Agora posso deixar de ser bandido’, ‘Agora posso ter meu dinheiro’”, afirma ele. Para manter a vida e fazer viver adolescentes e jovens, sobretudo negros e periféricos, é preciso desmantelar a estrutura colonial – a começar por um olhar que não seja opressor.
A live está disponível na íntegra no canal do Faz Diferença no Youtube.
A campanha Faz Diferença nasceu do encontro entre a AIC e a Comissão de Prevenção à Letalidade de Adolescentes e Jovens, do Fórum Permanente do Sistema de Atendimento Socioeducativo de Belo Horizonte.
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