“Nó, tô pensando em desistir. Os fessores só fala coisa errada olhando pra mim. Outro dia foi uma empresa lá na sala, mas sei que a vaga não é minha”. A fala é de um jovem atendido pelo Desembola na Ideia, segundo conta a psicanalista Bárbara Afonso. A partir do atendimento do projeto, seu discurso se volta para a construção de um outro caminho possível“Minha mãe tá muito orgulhosa de mim, né? De eu tá indo nesse curso. O curso é meio chato, essas partes teóricas e tal, mas a parte prática é bem legal. É, acho que não vou ficar dando ideia nesse fessores que me olham torto, não”. 

O caso foi narrado em live realizada pela campanha Faz Diferença no dia 24 de novembro, intitulada Práticas transformadoras no encontro com jovens e adolescentes. Além de Bárbara, participaram do bate-papo Andrea Guerra, também psicanalista, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenadora do PSILACS-UFMG, Josânio Alves, agente de segurança socioeducativo do Centro de Internação São Benedito. No mês da Consciência Negra, o evento buscou responder a uma pergunta desafiadoracomo fazer ranhuras na estrutura que oprime as juventudes e as leva à situação de vulnerabilidade, risco social e/ou conflito com a lei?

A análise partiu das construções de branquitude e negritude herdadas da colonização e da escravização, que colocam os corpos negros, periféricos, masculinos e jovens à beira do abismo através de múltiplas e reincidentes violências contra eles. “A gente lida muitas vezes com nomeações duras que levam ao pior – esse lugar que eles ficam de menor, de bandido, de errado, do suspeito, de marginal, do que não pertence”, pontua Bárbara. 

Em contraponto a essa exclusão, aponta Andrea, está “a facilidade com que um corpo branco acessa espaços privilegiados de educação, trabalho e lazer, que mascara e alivia o confronto”. Notados, destacados, ameaçados e rotulados em relação à branquitudeos jovens negros se deparam, então, com oportunidades negadas – uma morte que muitas vezes começa no campo do sonho. 

Mas é também do sonho que emergem caminhos possíveis e potentes para transformar essa realidade. “Muitos desses meninos dizemeu gostaria de ser jogador de futebol, eu queria ser motorista de caminhão, eu queria ser mil coisas. Nos olhares perdidos desses meninos, para quem analisa direito e não olha com um olhar discriminador, você vai ver que eles têm sonhos. Eles pensam em largar o crime, eles pensam em largar a vida loka”, conta Josânio, ancorado em sua larga experiência no sistema socioeducativo. 

A escuta das necessidades e subjetividades das juventudes pode oferecer a elas caminhos que fujam às hierarquias e classificações racistas, devolvendo-lhes futuros alternativos ao apagamento, à indiferença e ao medo. Os exemplos vão desde a atenção psicossocial aos jovens até o curso de cartazista ministrado por Josânio no sistema socioeducativo, já em sua 10ª edição. “Os meninos ficam numa satisfação! Quando ouviram que o curso é profissionalizante, eles já criaram um monte de ideias na cabeça: ‘Agora já posso trabalhar’, ‘Agora posso deixar de ser bandido’, ‘Agora posso ter meu dinheiro’, afirma ele. Para manter a vida e fazer viver adolescentes e jovens, sobretudo negros e periféricos, é preciso desmantelar a estrutura colonial – a começar por um olhar que não seja opressor. 

live está disponível na íntegra no canal do Faz Diferença no Youtube. 

A campanha Faz Diferença nasceu do encontro entre a AIC e a Comissão de Prevenção à Letalidade de Adolescentes e Jovens, do Fórum Permanente do Sistema de Atendimento Socioeducativo de Belo Horizonte.