“Lá as crianças não fazem nada, ficam só brincando”. Não é incomum ouvir variações desta frase: a ideia de que crianças devem ser submetidas a atividades, tarefas e conteúdos na maior parte do tempo é bastante disseminada, deixando o brincar em segundo plano.  

Estudos ligados à infância e à garantia de seus direitos, porém, apontam que a brincadeira é fundamental ao desenvolvimento humano na primeira infância, período que compreende os seis primeiros anos de vida. Mais do que isso, a brincadeira é a linguagem própria às crianças pequenas e deve ser tratada como central em sua formação, antes mesmo da escolarização. 

Hoje, a AIC desenvolve dois projetos voltados ao fortalecimento da educação básica através do brincar: Vale Cuidar e Promoção do Brincar no Vale do Rio Sahy. Realizados pela Vale, ambos têm como objetivo desenvolver competências de educadores, fomentar a brincadeira na primeira infância e incentivar a participação dos adultos na formação das crianças. 

Compartilhamos aqui alguns aprendizados que tivemos nesse percurso, com base no Caderno Formativo do Ciclo de Webinários Vale Cuidar 2021, realizado entre os meses de agosto e setembro. O material, que reúne textos de especialistas na primeira infância, está disponível na íntegra em nosso site. 

A brincadeira é a linguagem das crianças 

Brincar é coisa séria. É através dessa atividade que as crianças se desenvolvem física, emocional e intelectualmente, aprendem a partilhar e a resolver problemas e exercitam aquilo que aprendem sobre o mundo. O desenvolvimento da linguagem, da cognição, dos valores morais, da personalidade e de um sem-número de outras habilidades e competências para a vida tem suas raízes fincadas na brincadeira. 

Se o brincar é o território infantil por excelência, é também onde as crianças devem ter autonomia e a liberdade de inventar seus próprios exercícios, propor seus jogos e histórias. Às cuidadoras e cuidadores, cabe acompanhar e respeitar os tempos e espaços do brincar, abrindo caminhos para o desenvolvimento integral dos pequenos e fortalecendo seus vínculos afetivos. Como diz Suely Amaral Mello1

Hoje sabemos que a criança aprende sempre na condição de sujeito que quer saber, quer apren­der, quer fazer. Por isso, a brincadeira deve ser livre, de livre escolha e iniciativa das crianças. Isso não significa que os adultos não possam propor brinca­deiras ou ensinar brincadeiras tradicionais. É parte do papel dos adultos ampliar o conhecimento das crianças, inclusive em relação às brincadeiras. No entanto, uma vez apresentadas pelo adulto, elas de­vem ser de livre escolha das crianças. No caso das brincadeiras de faz de conta, nas quais as crianças se expressam, vão aprendendo e experimentam os valores que aprendem nas relações com os adultos, a autoria é fundamental para permitir a expressão. 

As fases do brincar na infância e o desenvolvimento de capacidades 

Os tipos de brincadeira variam ao longo da infância, propiciando o aprendizado de diferentes capacidades em cada fase. Se os bebês começam explorando o próprio corpo e percebendo formas, texturas e outras características dos objetos, logo passam a estabelecer relações entre eles – como empilhar, encaixar, jogar. Em seguida, começam a utilizar os objetos à semelhança das pessoas adultas, simulando suas atividades e movimentos. Nessas ações, desenvolvem o pensamento na ação e o pensamento por modelos, que envolvem repetição, tentativa e erro. 

O próximo passo é o faz de conta, quando as crianças brincam de assumir diferentes papéis segundo o que apreendem do mundo. Assim, elas criam enredos e dão início à representação – uma menina faz a personagem de uma cientista ou professora, por exemplo, enquanto um galho vira uma espada ou colher. Nesse tipo de brincadeira, o pensamento e a imaginação das crianças definem as funções dos objetos e também o comportamento delas próprias. Ou seja, a autodisciplina é exercitada. 

Além disso, é com o faz de conta que as crianças adquirem a função simbólica, em que algo é representado por outra coisa. Esse tipo de pensamento é essencial para o posterior desenvolvimento de habilidades como a leitura e a escrita. Isso porque, ao escrever, símbolos gráficos são usados no lugar de ideias, para representá-las. Em outras palavras, a capacidade de abstração que a vida escolar requer tem suas bases formadas através da brincadeira, ainda na primeira infância. 

Espaços do brincar

Assumir a centralidade do brincar na infância implica também em pensar os espaços segundo essa lógica. Nesse sentido, é importante propiciar o acesso das crianças ao ar livre e à natureza, onde elas têm melhores condições de brincar e se movimentar. Assim, praças, parques, reservas ecológicas e outros espaços públicos ganham destaque, com a possibilidade de empregar múltiplos equipamentos e recursos que incentivam a imaginação – desde túneis e brinquedos sonoros até a contação de histórias. 

Da mesma forma, os ambientes escolares para a primeira infância também devem ser adequados ao brincar. Brinquedos semiestruturados, que deixam lugar para a criatividade infantil, e objetos de diferentes texturas, tamanhos e formatos são um bom caminho para começar.  

Quer saber mais sobre o tema? Confira o Caderno Formativo do Vale Cuidar! 

1Em “Brincar – Direito Inalienável na Primeira Infância”, Caderno Formativo – Ciclo de Webinários Vale Cuidar 2021.