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Desde a chegada da Covid-19 ao Brasil, diante do agravamento da falta de acesso a direitos básicos, líderes comunitários, ativistas e organizações da sociedade civil uniram forças para enfrentar os impactos devastadores da pandemia. Ainda em 2020, a AIC se somou a essa articulação. Criamos a rede Periferia Viva, que atuou na defesa do direito à vida, à dignidade e à cidadania das populações periféricas.
O contato direto com esses públicos chamou nossa atenção para algumas de suas demandas. Por um lado, a morte de líderes comunitários e detentores culturais apontou para a necessidade de registro de memórias e saberes dessas comunidades. Por outro, ficou evidente que muitos grupos periféricos não têm recursos para criar produtos de comunicação que contem histórias sobre si mesmos e sobre seus públicos.
Do anseio de contribuir para a solução dessas questões, o projeto Um Salve Para Nós nasce, em 2023, como parte das ações do AIC Lab. A iniciativa une o melhor de duas frentes de trabalho da AIC. Por um lado, o trabalho colaborativo junto a grupos da sociedade civil; por outro, o resgate e fortalecimento da memória comunitária. Como principal objetivo, o Um Salve Pra Nós buscou promover o conhecimento e a valorização do patrimônio cultural imaterial das regiões do Aglomerado da Serra, Taquaril e Morro das Pedras, em Belo Horizonte, por meio de uma parceria com grupos culturais dessas regiões.
Com ações formativas em linguagens e tecnologias comunicacionais, o projeto atuou na produção colaborativa de materiais de divulgação, com foco na memória e na preservação dos bens culturais materiais e imateriais das regiões de atuação. Além disso, vem promovendo oficinas culturais em escolas públicas nos três territórios abrangidos.
Um dos primeiros passos foi realizar um mapeamento e registro de seis grupos culturais da cidade, dois de cada região. Participam desse projeto os grupos: Abadá Capoeira, Cia dos Anjos, Marcos Fiote, rapper e produtor cultural, Casa Hip Hop, Projeto Itamar e Projeto Ully.
Investigando o patrimônio imaterial a partir do olhar de grupos culturais
Para nós, um dos eixos da investigação do patrimônio imaterial comunitário é, sem dúvidas, a escuta ativa. Assim, no Um Salve Para Nós convidamos os grupos a assumir o papel de protagonistas, apontando os caminhos a serem percorridos. Como o próprio nome já diz, a ideia é que esses grupos reconheçam e celebrem seus próprios saberes e fazeres, bem como seus públicos. Partimos do entendimento de que as iniciativas fazem parte do patrimônio vivo de seus territórios.
No diálogo com os representantes das iniciativas, convidamos os grupos a elegerem as temáticas que seriam abordadas em cada uma das produções. Também pensamos junto as especificidades, benefícios e desafios de cada linguagem comunicacional, tendo em vista os contextos e o impacto desejado nas comunidades.
Um dos agentes culturais envolvido no projeto descreve a experiência de participar dessa iniciativa como um percurso transformador de compartilhamento das riquezas culturais locais. “Participar desse processo significou acessar um universo de tradições muitas vezes perdido com o tempo. Cada troca feita foi uma oportunidade de aprendizado e enriquecimento da comunidade”, conta.
No caminho de descoberta do Um Salve Para Nós, o respeito e a valorização mútua se tornaram peças fundamentais na construção de um legado compartilhado.
Multiplicando a memória comunitária
Investigar o patrimônio das favelas e periferias de BH também pode funcionar como ponto de partida para novas incursões. Para que essas repercussões sejam possíveis, é preciso comunicar as descobertas do processo: uma vez escolhidas as temáticas e formatos, era hora de partir para a produção colaborativa dos materiais.
Guilherme Siri, capoeirista e professor do Abadá Capoeira na Comunidade Taquaril, identificou a necessidade de registrar o legado dos mestres de capoeira da comunidade. Para dar vida a essa história, foram feitas entrevistas em vídeo. Enquanto isso, a Casa Hip Hop Taquaril buscou dar visibilidade às diversas ações culturais e sociais que acontecem sob o teto da Casa, por meio de um folder que homenageia os moradores envolvidos.
A Cia dos Anjos, grupo de dança fundado em 1999, propõe contar sua história em um zine impresso, colaborativamente produzido por aqueles que passaram pelo coletivo. O rapper Marcos Fiote, do Fúria Negra, identificou a necessidade de registrar as iniciativas culturais da Morro das Pedras. O resultado? Um guia cultural do território, chamado Um pequeno guia do que tem de bom pra fazer no Morro das Pedras. Já o Projeto Itamar, comandado por Laudilene Fernanda e Itamar no Aglomerado da Serra, focou na memória das lavadeiras. Em um pequeno vídeo-documentário, pessoas que tiveram sua história marcada pelas águas da Serra dão seus depoimentos. Por fim, o Projeto Ully, atuante desde 2017 no Morro das Pedras, buscou registrar histórias por meio de um livro de receitas das senhoras da comunidade.
Além disso, para multiplicar o impacto do projeto junto aos estudantes das escolas da rede pública de ensino, o Um Salve Pra Nós promoveu oficinas nesses espaços. Em um contexto em que as referências negras e periféricas são frequentemente apagadas e as discriminações persistem, a celebração da diversidade cultural no ambiente educacional emerge como uma poderosa ferramenta para construir pontes de compreensão, respeito, autorreconhecimento e autovalorização. O projeto conta também com a produção e distribuição de um guia de atividades multiplicadoras. A intenção é apoiar professores dessas escolas na promoção do patrimônio imaterial nas salas de aula.
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